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Repórter é demitido do jornal ‘O Globo’ e afirma: “Se eu fosse branco, não teria acontecido”
Notícias
Publicado em 09/12/2019
Adalberto neto – Jornalista e roteirista

Vinte e três de novembro de dois mil e dezenove. O que foi um dia de intensa felicidade aos torcedores do Flamengo acabou trazendo graves problemas a Adalberto Neto. O jornalista e roteirista divulgou em seu Instagram um vídeo filmado de dentro da redação do jornal O Globo, no Rio de Janeiro, em que algumas pessoas aparecem comemorando efusivamente o título da Copa Libertadores da América, conquistado pelo rubro-negro carioca. Flamengo campeão, e Adalberto demitido.

 

“Tenho certeza de que se fosse uma pessoa branca no meu lugar, ela não seria demitida. Como o que eu fiz não foi nada de errado, eu apenas seria chamado para uma conversa, caso eu fosse branco. Se eu tivesse feito algo de errado e fosse uma pessoa branca, levaria uma advertência, os processos seriam respeitados, isso não teria acontecido”, afirma o ex-repórter do O Globo.

Para entender o caso, que vai além de uma simples viralização na internet, a história fica melhor se contada em primeira pessoa. Confira, abaixo, uma entrevista exclusiva com Adalberto Neto.

Desde quando você trabalha no jornal O Globo?

Eu comecei no jornal em 1999, aos 20 anos, como office boy. Depois saí, me formei em jornalismo e voltei em 2003, como repórter, por um bom período. Depois que saí de novo, voltei em 2013 de vez, como repórter de jornais de bairro.

Qual foi sua intenção ao gravar o vídeo?

Da hora em que acordo até a hora de dormir eu fico fazendo stories, a minha vida é quase que um reality show (rs). Sou vascaíno, mas estava torcendo para o Flamengo naquele dia. Pra mim, era quem representava o Brasil. Meu sobrinho é flamenguista, meu cunhado é flamenguista… Boa parte da minha família é flamenguista. Então, fiz vários vídeos meus durante o jogo, mostrando minhas reações etc. Quando o Flamengo fez o gol, mostrei a comemoração. Só isso! Aí, quando saiu o segundo gol, foi inacreditável. Quem que estava torcendo pro Flamengo naquele momento não extravasou? Eu comemorei e estava mostrando as pessoas da minha baia felizes. Eu não saí da minha baia para nenhuma outra para mostrar ninguém. Eu não fui aos outros setores. De repente, passaram três pessoas correndo por ali, e eu estava filmando e foquei neles. Não teve maldade nenhuma.

No intervalo entre a postagem e a sua demissão, qual foi a repercussão disso dentro e fora da empresa?

Pra mim, aquele dia já tinha passado, ficado para trás. Eu nem me preocupava mais com o Flamengo. Aí, na segunda-feira, vieram me falar da repercussão. Eu nem sabia mais que vídeo era, porque eu já tinha esquecido aquilo. Aí fui para o jornal na segunda, na terça… Tudo beleza. Ninguém veio falar nada comigo. Na quarta-feira, eu estava fechando uma matéria de capa, e meu chefe me chamou para uma salinha e falou que a direção pediu para eu ser demitido pelo conjunto da obra. Perguntei: “Que obra?”. E ele desconversou.

O que você entende por “conjunto da obra”?

Quando saí da salinha, todos os colegas que vieram me abraçar falaram: “Ah, você sabe que foi por causa do vídeo, né?”. E eu ficava: “Caramba! É sério isso?”. Todo mundo falava que era o comentário geral. Pra mim, isso foi o conjunto da obra, mas eu não estava acreditando muito. Mas aí vi meu nome em um monte de lugar, gente me chamando de X9, gente me defendendo… Aí, eu passei a acreditar e vi que a coisa era séria.

Aconteceu algo com as pessoas que aparecem no vídeo?

Não foram nem notificadas. Continuam todos trabalhando na empresa normalmente.

Você acredita ter sido vítima de racismo?

Não dá pra dizer que fui vítima de racismo de um caso pontual, mas a gente é vítima de racismo diariamente, porque ele está na estrutura da sociedade. Não é por causa de uma demissão. Todo negro é vítima de racismo da hora em que acorda até a hora em que vai dormir. Com as experiências da vida e o letramento racial, a gente vai entendendo vários códigos. Eu estava fazendo um vídeo, mostrando a minha comemoração, e as pessoas passaram na minha frente. Está todo mundo condenando a atitude do editor de esporte. Tem gente que até compara: se o editor de nacional fosse trabalhar com a camisa do PT, tivesse comemorando a eleição da Dilma e não fosse demitido? Se só o cara que filmasse tivesse sido demitido? Eu só estava fazendo o que sempre fiz ali e nunca tomei advertência. A pessoa que está sendo criticada enquanto profissional ainda está lá, não tomou advertência nenhuma. Quando a gente compara situações que acontecem com branco e com preto, a gente passa a entender o que é racismo.

Você acha que você teria sido demitido se fosse branco?

Tenho certeza de que se fosse uma pessoa branca no meu lugar, ela não seria demitida. Como o que eu fiz não foi nada de errado, eu apenas seria chamado para uma conversa, caso eu fosse branco. Se eu tivesse feito algo de errado e fosse uma pessoa branca, levaria uma advertência, os processos seriam respeitados, isso não teria acontecido. Receberia uma advertência pela má conduta. Mas como foi comigo, uma pessoa preta… É aquela coisa: não teve conversa. E não teve mesmo. 

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