Laíza, Arthur e João Gabriel foram alunos de Fernando, Ricardo e Lisânias e agora dividem a sala de aula com seus antigos mestres
OCIMARA BALMANT - ESPECIAL PARA O ESTADO
‘Há uma troca, mas sou o mais beneficiado’
Lizânias de Souza Lima e João Gabriel Priolli: o professor mais novo dá aulas com o experiente e diz que segue aprendendo com ele
Todas as terças e quintas-feiras, João Gabriel Priolli, de 32 anos, e Lizânias de Souza Lima, de 74 anos, dividem a mesma sala de aula como professores de História do ensino médio do Colégio Equipe. “Nossa sintonia é absurdamente positiva. É um trabalho afinado e sem hierarquia”, diz Lizânias. João Gabriel concorda, mas faz um adendo. “Há uma troca, mas eu ainda sou o mais beneficiado.”
É a fala convicta de quem admira o professor que o inspirou a escolher a docência. Filho de historiadora, o interesse de João Gabriel pela disciplina era antigo, mas foi a maneira de Lizânias expor o conhecimento que o instigou. “Eu admiro a forma como ele aproxima o estudante ao pesquisador de história. A disciplina no ensino médio tem o papel de ponte entre os dois mundos. Ele foi a pessoa que me despertou para eu entender que gostava de trabalhar com isso também.”
Lizânias explica que o compromisso com o conhecimento científico é seu único norte. Irrevogável. “Não faço de outro jeito. Pode ser que desista, mas nunca vou ensinar o que não acredito”, afirma, ao salientar sua contraposição à ideia de uma escola com professores cerceados, defendida por parte da classe política. “Uma das prerrogativas da profissão é a liberdade de cátedra. Sem isso, não temos educação, temos doutrinação.”
O docente acredita, no entanto, que esse policiamento do pensamento faça com que diminua ainda mais o número de interessados pelo magistério. “É um discurso que assusta. Você vai escolher uma profissão e correr o risco de sofrer processos se fizer o que é o correto a ser feito dentro de uma sala de aula e algum estudante decidir gravar e denunciar?”
A depender de Lizânias, as aulas continuam com materiais impressos e celulares desligados. Aliás, nas turmas em que divide com João Gabriel, eles se complementam até nesse quesito. “Levo algumas ferramentas com as quais ele tem menos familiaridade, e ele me ensina que nem tudo do professor tradicional a gente quer jogar fora”, conta.
**
ENTREVISTA
‘Na Educação, a tecnologia é um meio, não um fim’
Heloisa Morel, diretora executiva do Instituto Península
A discussão nem é mais tão recente, todavia segue atual e ardorosa. Ao mesmo tempo em que a tecnologia é inerente aos jovens do século 21, o domínio de algumas ferramentas continua a ser um desafio aos docentes, principalmente os mais antigos. “Para vencer essa resistência, é essencial que o papel das plataformas em sala de aula seja relevante”, defende Heloisa Morel, diretora executiva do Instituto Península. Leia a entrevista completa:
Muitos professores ainda têm dificuldades de se adaptarem às plataformas digitais. Quais as principais razões dessa resistência?
É claro que toda mudança pode causar desconforto, isso é algo natural do ser humano. Por isso, para quebrar essa resistência, é essencial que o papel das plataformas em sala de aula seja relevante. O professor que tem dificuldades em adotar as novidades precisa enxergar os benefícios de usar a tecnologia. As plataformas têm de ser atrativas, apoiar na resolução dos desafios que ele encontra no dia a dia, para que se sinta à vontade para adotá-las.
As instituições de ensino, em geral, auxiliam esses docentes a se adaptarem ou se concentram em pressioná-los para que se atualizem?
Existe um esforço para auxiliar os professores a se adaptarem, mas a demanda por atualização na área da educação ainda é muito maior do que esse esforço. Por isso, as instituições devem se unir aos professores nessa busca por adequação às novidades. É importante que os docentes sinalizem quais são suas principais dificuldades em se atualizar para que as instituições consigam ajudá-los da melhor maneira, em vez de apenas cobrarem que eles se atualizem.
Há professores excelentes que não conseguem e talvez nem conseguirão se adaptar a novas tecnologias. O que pode ser feito para que profissionais assim não sejam descartados?
Aqui vale lembrar que essa mudança não é individual, ela é coletiva. O mundo é digital, vivemos uma virtualidade real, a tecnologia transformou os nossos relacionamentos. A tecnologia também já está na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), em duas das suas competências gerais, que incluem a linguagem digital e o uso de TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação). Portanto, a mudança de cultura dentro das escolas é um caminho natural, que passa primeiro pela reflexão coletiva de sua equipe sobre como ela vai entrar na sala de aula. E o professor deve participar desse processo.
Gigantes tecnológicos têm investido em plataformas e em treinamentos para auxiliar os professores em sala de aula. Críticos apontam para o risco de dependência em relação a essas empresas. Como vê essa situação?
A educação acontece em diversas frentes. Não acredito que os professores venham a depender de plataformas e treinamentos tecnológicos, pois existem outras formas de ensino, que não dependem apenas de tecnologia. De qualquer forma, entendo que a questão aqui é compreender com que propósito esse conteúdo tecnológico será absorvido em sala de aula. Qualquer solução que seja apresentada, por qualquer empresa, não pode ser apenas tida como uma solução. O professor deve refletir como ela será utilizada e quais serão seus benefícios. A tecnologia sempre tem de ser pensada como um meio para construir o processo de ensino-aprendizagem e não um fim.
**
CARACTERÍSTICAS DO DOCENTE IDEAL
1.
Domina os conteúdos curriculares das disciplinas
2.
Tem consciência das características de desenvolvimento dos alunos
3.
Conhece as didáticas das disciplinas
4.
Aplica estratégias de ensino desafiantes
5.
Organiza os objetivos e conteúdos de maneira coerente com o currículo, o desenvolvimento dos estudantes e seu nível de aprendizagem
6.
Seleciona recursos de aprendizagem de acordo com os objetivos de aprendizagem e as características de seus alunos
7.
Escolhe estratégias de avaliação coerentes com os objetivos de aprendizagem
8.
Estabelece um clima favorável para a aprendizagem
9.
Manifesta altas expectativas em relação às possibilidades de aprendizagem de todos
10.
Institui e mantém normas de convivência em sala
11.
Demonstra e promove atitudes e comportamentos positivos
12.
Comunica-se efetivamente com os pais de alunos
13.
Domina as diretrizes curriculares das disciplinas
14.
Utiliza métodos e procedimentos que promovem o desenvolvimento do pensamento autônomo
15.
Otimiza o tempo disponível para o ensino
16.
Avalia e monitora a compreensão dos conteúdos
17.
Busca aprimorar seu trabalho constantemente com base na reflexão sistemática, na autoavaliação e no estudo
18.
Trabalha em equipe
19.
Possui informação atualizada sobre as responsabilidades de sua profissão
20.
Conhece o sistema educacional e as políticas vigentes