“Disputa de narrativa”, diz historiador sobre obras expostas no prédio da Câmara do Rio
O historiador Douglas Liborio concedeu uma entrevista exclusiva ao Notícia Preta, em que ele analisou as obras de artistas negros ou que representam a população negra, que estão expostas no Palácio Pedro Ernesto, onde funciona a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que completará 100 anos nesta sexta-feira (21).
Douglas é historiador, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e falou com detalhes sobre as principais obras e referências a população negra presentes no Palácio Pedro Ernesto, e também sobre a importância e o porquê de tais obras terem sido escolhidas para estar na Câmara, que para ele, representa uma “disputa de narrativa”.
“Na minha perspectiva não há uma luta pela transformação da população escravizada em agentes políticos, na verdade é uma disputa de narrativa e uma construção de um perfil colecionista pro acervo da câmara do rio de janeiro pro período colonial”, disse Douglas.
Sobre as obras que estão em um saguão do prédio, localizado na Cinelândia, nomeado em homenagem a José do Patrocínio que – em 15 de novembro de 1889, proclamou a República na Câmara Municipal-, o historiador deu mais detalhes não apenas sobre os autores, mas também sobre o que elas representam.
“Nós temos a pintura de 1791 que representa o Conde de Bobadela, que foi executada pelo pintor Manoel da Cunha, ela é do período colonial. A pintura foi feita por um homem de origem negra, que foi escravizado, mas depois liberto, e estudou pintura em Portugal. A pintura que representa a fundação da cidade do Rio de Janeiro, de 1881, é do Firmino Monteiro. Foi a pintura que deu um grande destaque a ele. Ele é um pintor negro, um dos primeiros. É um dos grandes introdutores da pintura de paisagem na Academia Imperial de Belas Artes do Brasil, aqui no Rio de Janeiro.”
O historiador falou também sobre a pintura de Pedro Peres. “Ele não é negro, mas a pintura representa a primeira emancipação dos escravos na Câmara Municipal, que seria uma prática de entrega de cartas de alforria, que ocorreu na Câmara Municipal em 1885. Então, você tem uma representação da população negra ali, só que é uma população escravizada em volta da Isabel da família imperial”.
Douglas também analisou o que a presença dessas obras em um espaço na Câmara Municipal do Rio, significa para pessoas negras.
“Não é exatamente o tipo de narrativa que nos traga uma agência da população negra. Pelo contrário, ela esvazia. O que eu percebo pelas pinturas é um processo de colecionismo, de adquirir obras relacionadas a história do Rio de Janeiro. A câmara do Rio de Janeiro vai encomendar a obra do Bobadela, um dos principais vice reis da história do brasil no final do período colonial, em 1791, após o incêndio que acometeu a Câmara, e vai encomendar a pintura ao Manoel da Cunha. A pintura do Firmino Monteiro, é uma pintura relacionada a fundação da cidade do Rio de Janeiro. Não é a toa que o plenário vai ter uma temática desse tipo. A Câmara, ainda no império, adquire a obra pelo impacto que ela está tendo na crítica artística da época”.
O historiador também ressaltou a importância de “ressignificar esses espaços nessas efemérides, de forma que o homem negro e a mulher negra possam estar nesses espaços”.
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