O levantamento “Na Linha de Frente: violações contra quem defende direitos humanos no governo Bolsonaro”, realizado pela Terra de Direitos e Justiça Global, revela que durante os quatro anos de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram registrados 1.171 casos de violência contra defensores dos direitos humanos.
Desse total, foram 169 assassinatos contra esse grupo e a grande maioria das vítimas são pessoas negras e indígenas. De acordo com Alane Luzia da Silva, Assessora jurídica Terra de Direitos e coordenadora da pesquisa, existe uma relação direta do motivo desses dois grupos de pessoas serem as mais vitimadas.
“Os problemas estruturais da sociedade brasileira são o pano de fundo da necessidade de lutar por direitos e seguem sendo fator central da continuidade das violações. No caso de indígenas, as medidas de precarização e flexibilização para aquisição de armas contribuiu para maior exposição e riscos dos povos indígenas à ação de grileiros, mineradores, fazendeiros, milicias, entre outros. E com isso, acirrando os conflitos instaurados resultando na maior violência a estas populações”, explica.
“No caso da população negra – guiada por uma visão racista – a deslegitimação busca impedir que estes grupos, que historicamente violados pelo estado e sociedade, reivindiquem e defendam uma mudança estrutural. Esta violência está diretamente associada à tentativa de manutenção dos espaços de poder nas mãos de homens brancos”, completa.
Dentre os 1.171 casos de violência contra os defensores dos direitos humanos estão 579 ameaças, 197 atentados, 169 assassinatos, 107 casos de criminalização pela via institucional, 63 casos de deslegitimação, 52 agressões físicas, 2 importunações sexuais e 2 suicídios.
Um outro ponto que chama a atenção no relatório é que muitos relatos possuem a marcação “não identificado” quando se faz o recorte racial. A coordenadora da pesquisa ressalta que este é mais um dado que precisa ser observado, uma vez que gera uma subnotificação dos casos de violência.
“Para nós a falta de dados também é um dado. Um dado do que significa lutar por direitos no Brasil, um dado do nível de visibilidade e (des)importância que a sociedade tende a dar para as lutas dessas defensoras e desses defensores de direitos humanos”, analisa.
Ela lembra ainda que a pesquisa tem como fonte principal matérias e notícias de jornais e veículos de comunicação. No caso indígena, a probabilidade de um alto número de subnotificações é menos provável, porque as matérias costumam identificar a etnia indígena. “Também quando há, por exemplo, um ataque à uma coletividade, normalmente se identifica facilmente se for uma comunidade indígena”.
“Em relação à população negra, não há dúvidas de que existe um alto índice de subnotificação. Normalmente, se descreve a racialidade da defensora/defensor atacado quando existe conexão entre a luta e o ataque ou em se tratando de uma figura em que a sociedade civil organizada que está perto dessa defensora/defensor, conhece e visibiliza o caso, trazendo a racialidade para a visibilidade”, pontua.
Regionalização
O Estado do Maranhão, considerado um dos mais pobres do Brasil, é o recordista em casos de assassinatos contra os defensores. Ao todo, foram 26 assassinatos apenas no estado nordestino. Alane acredita que as relações com os conflitos são geradores do maior número de crimes no Estado.
“As pessoas mais marginalizadas são as que mais precisam lutar por direitos. Por vezes, se tornar Defensora ou Defensor de Direitos Humanos é quase compulsório na vida de determinados grupos e comunidades. Temos discutido muito a importância do olhar para as características específicas dessa parcela da população no Brasil, país marcado pela territorialidade coletiva e pela pobreza que atinge a vida das defensoras e defensores”, analisa.
E ela completa ainda. “Observamos que a região é cercada de conflitos fundiários, com grileiros de terras, madeireiros e caçadores que frequentemente entram em embates e disputas territoriais com comunidades indígenas, movimentos sociais e trabalhadores rurais”.
A gestão do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) liberou quase 1 milhão de armas para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) em apenas quatro anos de mandato. Os números foram confirmados pelo Exército e aponta que a maioria dos registros foram concedidos em 2022, ano em que o ex-mandatário se candidatou à reeleição.
Política armamentista
O levantamento revela ainda que 63% dos crimes cometidos contra os defensores e defensoras dos direitos humanos foram com armas de fogo. Neste sentido, a pesquisadora sentencia que a política armamentista do ex-presidente fomentou a violência contra esses grupos.
“Sem dúvida. Houve uma ampla flexibilização das legislações armamentistas, além de ser uma tônica dos maiores representantes públicos o discurso de ódio e ataque às defensoras e defensores de direitos humanos nos anos do estudo”, afirma.
Alane Luzia da Silva conclui ressaltando a importância de se ter uma série de ações, como o fortalecimento e remodelação das políticas de proteção já existentes e campanhas de conscientização nacional sobre a importância do trabalho de defensoras e defensores de direitos humanos.
“Mas é importante salientar que os conflitos só se encerram quando os problemas que geram esses conflitos são solucionados, como a demarcação e titulação dos territórios, o fortalecimento de políticas de preservação e fiscalização do meio ambiente e o fim de retrocessos sociais que dão origem as lutas de defensores. Além disso já vemos que outros setores como o legislativo tem iniciado processos de ataques aos direitos indígenas e uma tentativa de criminalização contra o MST, por exemplo”, finaliza.
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